segunda-feira, 28 de março de 2011 às 06:37

O drama das internas do presídio feminino com filhos em abrigos públicos

Luana Maria Lima Sousa


Passado os seis meses do período de amamentação, internas do presídio feminino passam pelo drama da separação de seus bebês. A situação é ainda mais crítica quando
a criança tem que ir para um abrigo público.
A poucos metros da entrada principal do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF), em Itaitinga, localiza-se a creche onde são abrigados os filhos das detentas nascidos no presídio. O local é arejado e bastante espaçoso. Durante seis meses, período de amamentação, as presidiárias permanecem em tempo integral na companhia dos filhos. São elas que brincam, acalentam, cuidam da higiene pessoal, da alimentação e colocam os bebês para dormir. Mas, passados os seis meses, a criança deve ir embora e a mãe voltar para uma cela do presídio, onde cumprirá o restante da pena.
De acordo com a ex-diretora do presídio, Izeuda Rocha Almeida, para as internas cuja família vai ficar com o bebê, o sofrimento é amenizado pela certeza de que serão bem cuidados.
Normalmente, é alguém de parentesco próximo, como uma avó ou uma irmã. Mas para aquelas que são estrangeiras, de outro Estado ou que os familiares não têm condições financeiras de criar a criança, só resta a opção de mandar o bebê para um abrigo público.
Nesses casos, a interna passa por toda uma preparação. Visita um psicólogo com bastante antecedência, para se preparar para o momento. “Ainda assim, a hora da separação é muito dolorosa. Elas passam o dia chorando, orando, é realmente muito forte. Eu já levei duas e saí com o coração partido. Tem que ser dura, se não a gente não leva. Na hora a criança chora, porque vê a mãe nervosa, naquela ansiedade e a mãe também se desestabiliza”, contou Izeuda.
Cinco filhos de internas encontram-se hoje em abrigos públicos: o Orfanato Casa de Jeremias, com crianças de 0 a 3 anos; a Creche Abrigo Tia Júlia, com crianças de 0 a 7 anos de idade; e o Santa Gianna Beretta Molla, que abriga crianças na faixa etária de 9 a 12 anos. Segundo Izeuda, uma vez por mês, as crianças são recolhidas dos abrigos e encaminhadas ao presídio para passar o dia com a mãe. “Para eles não perderem o vínculo”, explicou. As crianças que ficam com familiares podem visitar as mães nos dias de visita social, no último domingo de cada mês.
Ex-viciada em crack, Maria do Carmo da Silva, 33 anos, contou que foi parar no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF) após infringir o artigo 157 do Código Penal Brasileiro, referente a latrocínio. Os dois filhos, ainda crianças, tiveram que ficar sob os cuidados de sua mãe. Mas, como os afazeres lhe tomavam muito tempo e as condições financeiras eram ruins, a avó não teve condições de sustentar os dois meninos e eles tiveram que ir para um abrigo público. Os filhos, de 11 e 13 anos, vivem no abrigo Santa Gianna e visitam a mãe no presídio uma vez por mês. 
Durante esta entrevista, quando o assunto foi os filhos, Maria do Carmo não conteve as lágrimas. “Sinto muita saudade deles. É muito ruim para uma mãe não poder acompanhar o desenvolvimento dos filhos. Me arrependo muito por ter me envolvido com pessoas erradas. Lá fora quero ser outra pessoa. Não pretendo repetir isso. Agradeço muito a Deus por ter dois filhos maravilhosos. Eles são inteligentes, cantam música de rap, de reggae, me orgulho muito deles. Quando eu estiver lá fora quero dar uma nova vida a eles”, desabafou.
Ao lado da igreja de Fátima, numa casa grande e aconchegante, os dois filhos de Maria do Carmo vivem com mais 25 crianças. São meninos e meninas na faixa etária de 6 a 12 anos. O mais velho, apesar de já estar com 13, permanece na casa por causa do irmão. “Para manutenção de vínculo”, como explicou Cláudia Maria, coordenadora geral do abrigo.
Cláudia Maria enfatizou que as visitas são muito difíceis para eles. “Quando retornam, vêm muito abalados. Sentam na cama e passam até duas horas de cabeça baixa. Não conversam, chegam muito abatidos, a gente nota que a visita mexe muito com eles”.
A coordenadora disse ainda, que os dois têm um comportamento muito ríspido no abrigo. “O mais velho tem agido de forma agressiva e o mais novo tem tido muita dificuldade na escola. Ele vai três dias para a aula e passa três suspenso. Já o encaminhamos para acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Estavam suspeitando que ele estivesse com depressão, pela agressividade, falta de interesse e vários tipos de comportamento dele na casa. O menino, inclusive, passou uns dias sem ir para escola a pedido do médico, até para despertar nele o interesse de retornar à aula. Ele disse que queria voltar, mas essa semana, depois da visita, piorou”. Apesar disso, a coordenadora ressaltou que as visitas são muito importantes. “Eles precisam ir, porque sentem falta da mãe. Querem saber como ela está”, disse.
O abrigo existe há dois anos e surgiu de uma parceria entre o Shalom e o Governo do Estado. As crianças são encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude, Conselho Tutelar, Núcleo de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes ou vieram de outros abrigos. Todas estudam em escolas próximas. A fonte de financiamento vem de um convênio com o Governo, além de doações da Associação Shalom e da comunidade.
O acompanhamento emocional das crianças fica sob a responsabilidade de uma psicóloga, uma psicopedagoga e uma assistente social. Além destes profissionais, os que necessitam de maior atenção são encaminhados ao Núcleo de Atendimento Pedagógico Especializado (Nape). “Os que têm dificuldade de aprendizagem recebem reforço no próprio Nape, enquanto os que têm necessidade de atenção psicológica, recebem tratamento na Universidade de Fortaleza (Unifor) ou no Centro de Apoio Psicossocial (Caps), da Prefeitura de Fortaleza”.
O drama de uma interna de Porto Velho, que vive longe da família e da filha - Situação delicada é a de Rita Moura Pereira, 23 anos, natural de Porto Velho, que cumpre pena no IPF por tráfico de drogas. Com cerca de 15 anos ela saiu de casa, por causa do padrasto, e se envolveu com um homem com quem teve seu primeiro filho. Depois de sete anos ele faleceu, deixando-a numa situação complicada.
Sem emprego e sem estudos, Rita começou a se envolver com o seu segundo parceiro, de quem engravidou, e com “coisas fáceis, com drogas”. A essa altura, fez as pazes com a mãe, com quem foi embora para Goiânia, grávida de três meses. Começou, então, a levar uma vida diferente. Fez um curso de cabeleireira e planejava terminar os estudos quando tivesse o filho.
Tudo corria bem quando, no sétimo mês de gravidez, por insistência do pai de sua filha, ela voltou para Porto Velho. Mesmo estando grávida, acabou se envolvendo novamente com o mundo do tráfico e, dessa vez, com gente perigosa. Tudo às escondidas do companheiro, para quem mentia constantemente. “Ele não podia saber, porque não aceitava”, disse. Rita conheceu novas amigas que tinham maridos traficantes, e lhe ofereceram o trabalho de traficar drogas para outros Estados e até países vizinhos. Numa “entrega” para Fortaleza, já grávida de nove meses, foi presa no aeroporto Pinto Martins.
Rita chegou ao presídio feminino no dia 4 de abril de 2007, no dia 5 foi para a maternidade e no dia 6 chegou à creche. Ela contou que após ser presa, os amigos traficantes não lhe deram nenhuma assistência. Até então, o pai de sua filha não sabia de nada. Quando tomou conhecimento que Rita estava presa no Ceará, ele praticou um assalto para arranjar dinheiro e vir buscar a filha, e acabou também sendo preso. “Eu sofri demais. Se não fosse minha mãe, me enviando o dinheiro da pensão que eu recebia do meu ex-marido, eu teria passado mais necessidade”, contou.
Por ser de outro Estado, ter bom comportamento, com uma filha e sem ninguém que a ajudasse, Rita recebeu muita ajuda da direção. “Tanto que me deixaram ficar com a minha filha na creche até os sete meses. Mas quando me deram a notícia de que ela ia embora, fiquei desesperada. Pedi a direção, pelo amor de Deus, que não tirasse ela dos meus braços naquele momento, porque ela ainda estava mamando, e pedi que me dessem mais um tempo. Fiquei com ela mais quase um mês. No dia que a tiraram de mim e a levaram da creche, parecia que tava acabando o mundo”, desabafou.
Em setembro deste ano a mãe de Rita vinha buscar a neta, mas três dias antes da viagem amanheceu morta. “Foi mais um momento difícil, passei a maior barra dentro da cadeia. Hoje vivo do jeito que posso, não recebo visita nem tenho ninguém aqui por mim. Então, fico sempre dependendo da administração. Se não fosse a minha boa conduta, eu jamais teria esse apoio da direção, eles não apóiam quem tem má conduta”, contou.
Hoje, com um ano e sete meses, a filha de Rita vive no Orfanato Casa de Jeremias. Como possui o número do telefone da casa, ela pode, juntamente com a assistente social, ligar e conversar diretamente com dona Lúcia, responsável pelo abrigo. “Sempre que posso vou à assistente social. Às vezes ela não quer ligar, então eu choro e insisto. Não agüento ficar muito tempo sem notícias dela. Converso com dona Lúcia e ela me explica como a minha filha está”, disse.
Em seus planos, Rita disse que primeiro quer pagar o que deve à justiça, para depois recuperar o tempo perdido. “Se eu tivesse antes a cabeça que tenho agora, nada disso teria acontecido. Hoje aprendi com o sofrimento. Então, se eu fizer de novo é porque eu gosto do mundo do crime, do tráfico. A pessoa que leva uma vida dessas na cadeia, se sair e fizer de novo, é porque ela gosta de viver assim. Isso é pra quem não tem sentimento, que não sofre. Aí dentro tem gente que não sofre. Vai e volta, vai e volta, vai e volta, não quero isso pra mim”, concluiu.
Para Diana Vanessa Pereira, assistente social do IPF, a creche é como se fosse o mundo da maternidade. “Quando os filhos vão para o abrigo, elas vão para dentro das alas, então o contato deles fica sendo praticamente uma vez ao mês com as visitas. Tem mulheres que não tiveram a oportunidade de cantar nem os parabéns do primeiro ano de vida dos seus filhos. Para elas isso é muito marcante”, disse.
De acordo com Diana, faz parte da rotina do serviço social levar as crianças dos abrigos para o presídio, pelo menos uma vez ao mês, para ver as mães, e acompanhar como está o estado emocional e em que situação elas se encontram. Mas, segundo ela, o interesse tem que partir principalmente das próprias mães. 
“A gente infelizmente tem um recurso humano de serviço social muito reduzido. Não temos aquela periodicidade de toda semana estar ligando, e nem um retorno da própria instituição para informar como está a evolução daquela criança. Então, geralmente, parte delas a iniciativa de chegar e perguntar como está o filho”, disse.
Diana contou que algumas mães são mais atentas, estão toda semana cobrando, perguntando pelo filho. Nesses casos, quase toda semana o serviço social tem condições de saber como a criança está. “Mas nem todas são assim. Estamos hoje com 268 internas e duas profissionais de serviço social para atender a todo esse universo. Então tem aquelas que a gente tem uma atenção maior por alguma vulnerabilidade social, como a gente chama, ou então por demanda delas mesmo”.
De acordo com o psicólogo Igor Melo de Souza, do abrigo Santa Gianna, quando a criança é encaminhada a familiares, não prejudica tanto na sua formação porque elas vivem em um ambiente familiar, onde podem ter uma segurança materna e paterna, não necessariamente da mãe e do pai, mas um avô, uma avó, um tio ou uma tia, que venha representar a figura materna e paterna na vida delas.
Mas quando a criança vai para um abrigo, por mais que hoje se tenha uma perspectiva de um abrigo menor, como é o caso do Santa Gianna, onde os funcionários não usam crachá, nem uniforme, na tentativa de criar um ambiente mais familiar, ainda assim elas acabam ficando sem o referencial do pai e da mãe.
Segundo o psicólogo, essa falta de referencial prejudica muito o crescimento da criança, tanto no aspecto afetivo e emocional, quanto no cognitivo, pois ela fica sem ter a quem imitar, sem uma pessoa que sirva de exemplo. “A mãe é a referência da criança, é ela quem passa segurança, quem conversa, quem vai estimular seu desenvolvimento, a quem a criança pode recorrer. Então a mãe tem esse papel primordial”.

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