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Massacre e corrupção nos presídios do Brasil

O companheiro Marcelo Ribeiro, preso na manifestação do MEPR no dia 24/03, Rio de Janeiro, escreveu para o Jornal Estudantes do Povo esta matéria onde relata os quatro dias em que esteve detido na Polinter. Seu texto é uma grande denúncia sobre o massacre que está ocorrendo nas prisões no Brasil. É uma questão que chega em boa hora, exatamente quando o governo Lula defende a reforma política, particularmente do judiciário, para acabar com o chamado "crime organizado". Esta é uma reforma reacionária, que legaliza dispositivos da época do regime militar, como a medida provisória baixada por Lula que aumenta de 6 meses para 1 ano o tempo de isolamento de um preso. Em meio a toda a campanha fascista dos monopólios de comunicação, que pedem sempre mais restrições aos direitos dos presos, a matéria de Ribeiro é um grito que não pode ser calado. Mostra a dignidade destes que foram empurrados pela miséria para a criminalidade e que, mesmo estando em condições subumanas mantém a cabeça erguida.
A Situação dos detentos dentro da Polinter, conhecida no RJ como "Massacre", é um espelho de todo o sistema carcerário brasileiro. Aqui não me deterei em uma análise de tal sistema, mas de minha experiência no período em que estive dentro deste cárcere.
Quando cheguei na carceragem da Polinter fiquei numa cela conhecida como triagem. Esta triagem mede aproximadamente 4m por 2m onde ficam normalmente 10 detentos, podendo chegar a 15 ou 20 segundo relatos dos próprios presos.
Dali fui transferido para o "xadrez" de número 14, que é uma cela de 14m por 2m para 12 pessoas. Nela estavam mais de 80 detentos. Logo no segundo dia houve um remanejamento de presos e a cela ficou com 65 presos. Deve-se salientar que não há sistema de ventilação, o que aumenta consideravelmente a sensação de calor que no primeiro dia chegou a 50 graus.
A minha chegada já era esperada pelos detentos pois os mesmos já haviam tido a noticia de minha prisão pela televisão. Todos que são encarcerados nas malditas masmorras são recebidos por uma comissão de presos, eleita mensalmente dentro de cada cela. Na chegada, reúnem- se com os detentos novatos e explicam todas as normas de funcionamento interno das celas. Participam também dessa reunião todos os demais presos. Foi nela que expus o motivo de minha prisão e me dispus a ajudar os detentos com o que fosse possível. Surgiu então a idéia de uma aula de alfabetização pois a grande maioria dos presos quando muito possuem a 4ª serie primaria. Logo no primeiro dia iniciamos as aulas de alfabetização que tinham 20 alunos. Usamos pedaços de papel como quadro no primeiro dia, mas logo no segundo conseguimos um pequeno quadro negro com o pretexto que serviria para o culto dos religiosos, pois se falássemos que serviriam para as "tais aulas" como diziam os policiais nunca o teríamos conseguido. O giz utilizado era um inseticida de tipo sólido, usado para matar barata, pois era o único permitido. Logo no final da 1ª aula tomei a iniciativa de iniciar um outro curso, que os companheiros de cela chamaram de "Curso de Política". Este curso teve maior participação e tive que fazer duas turmas, contando uma com 24 e outra com 26 participantes. Nesse curso discutimos sobre Revolução Russa, Revolução Chinesa e Historia da Luta do Povo.
As expressões dos presos nunca sairão de minha mente. Talvez um dos momentos mais belos de minha vida tenha sido presenciar o momento em que os companheiros de cela descobriram o real motivo porque estavam ali. Muitos diziam intuitivamente: "não estou aqui por que quis, fui obrigado pela vida", mas quando compreendiam mais profundamente os mecanismos do Estado que os jogaram lá, ficavam com uma expressão diferente, diria até felizes por entenderem o mundo.
As aulas logo começaram a surtir efeito. Fui chamado duas vezes pelo diretor que sempre repetia que aquilo "era perigoso" e "que não via a hora em que eu sairia dali" chegando a dizer, no dia de minha libertação, que "já estava se sentindo aliviado por eu ter saído da cela". O que ele desconhecia é que além de termos comprado alguns livros: "Citações do Presidente Mao", "O Manifesto do Partido Comunista" e o "Compêndio de Historia da URSS", ainda deixei um professor substituto em meu lugar.

A situação dentro das Celas
"A vida de um preso para muitos lá fora não vale nada, mais aqui dentro é diferente a vida de cada um de nós vale muito, pois aqui somos irmãos e a vida de um é a vida de todos e a única maneira de nos mantermos vivos e suportarmos esta situação é nos mantermos unidos e organizados".

Quase todas as tarefas de organização como limpeza e distribuição de pertences das visitas (conhecidas como "natal"), é realizada por detentos. Mas isto não garante que a situação deles melhore, pois o que mais se ouve é que as condições têm piorado sensivelmente dentro dos cárceres. O problema principal que todos levantam refere- se à alimentação, acompanhada da superlotação. Segundos os detentos "como irão agüentar aquela vida sem uma alimentação que garanta minimamente a sobrevivência!"
Ao meio-dia chegou o almoço: arroz azedo -já quase podre-, macarrão azedo e uma salsicha já preta. De acordo com os relatos, todos estavam dispostos a não comer aquela comida estragada e queriam fazer alguma coisa a respeito. Imediatamente após distribuírem as marmitas se iniciou uma reunião tendo como pauta a alimentação. Surgiu a proposta de greve de fome por 72 horas, e se não surtisse efeito, rebelião. Palavra esta mais que temida pela diretoria do presídio e pelo estado. Logo começaram a circular comunicados entre as celas seguidos de visitas às mesmas, era quase uma unanimidade a greve de fome. No 1º dia, somente 4 celas dum total de 14 se recusaram a participar, mais logo no 2º dia houve adesão de duas delas, totalizando 12 celas em greve. A fome era amenizada pelos cigarros e alimentos doados por parentes dos detentos de forma que se garantisse o mínimo de duas colheres de alimento para cada preso da cela. A tensão aumentava a cada minuto pois a rebelião segundo os presos era um recurso que sempre gerava conseqüências para todos, principalmente para eles. No dia 26 a tensão era visível no rosto de todos e para piorar a qualidade da marmita caiu no segundo e terceiro dia, chegando a vir bofe com larvas de varejeira. Porém, o assunto "Rebelião" era evitado por todos. Na madrugada do dia de nossa libertação, o movimento foi vitorioso! Trocou- se a fornecedora da quentinha.

Os Doentes

Dentro da cela tínhamos quatro tuberculosos e um portador de HIV, o que exigia cuidados especiais. Estes cuidados eram dados pelos próprios detentos, pois a solicitação de médicos sempre era negada pela diretoria. Os tuberculosos ficavam sempre, por medida de segurança, próximos da porta da carceragem e o soropositivo sempre deitado. Havia uma comissão responsável pelo banho dessas pessoas caso elas não conseguissem lavar- se sozinhas. No que se refere à alimentação, tinham preferência em comer mais. A limpeza da cela era realizada em sistema de rodízio: todos participavam e eram realizadas 3 lavagens do chão por dia e 4 lavagens dos banheiros, conhecidos como "boi".

Tortura, flagrantes forjados e corrupção

Mais de 80% dos detentos foram presos sob alegação de pequenos delitos como furto, porte de arma e uso de drogas. Porém o que mais me chamou a atenção foi que quase todos que entram nas celas possuem marcas visíveis de tortura. Um exemplo é Waldemir Jesus dos Santos: preso com a acusação de tráfico de drogas. Tinha 25 marcas de queimaduras provocadas por ponta de cigarro no pescoço, o que é uma prática muito comum dos policiais para o obrigar os detentos a assinarem confissões. No caso de Waldemir, chegaram a cobrar R$ 500,00 para soltá-lo, o que também é muito comum.
É cobrada uma taxa para tudo que entra ou sai nas celas. Esse "pedágio" é pago aos policiais e é divido entre estes e a diretoria do presídio. Comida, pão, café, de tudo se rouba um pouco, chegando-se ao absurdo de haver celas especiais para os ricos. Nestas celas se tem apenas o número ideal de presos: 8 e paga-se R$ 1.500,00 adiantado para a direção do presídio, além de R$150,00 por semana a título de aluguel. Além disso, ex-policiais assassinos como os da Chacina da Candelária ou como o famoso "Rambo" de Diadema, têm comida, alojamento e tratamento especial.
Segundo dados do próprio governo o custo de cada preso é em média R$ 950,00. Mas o que se verifica nos cárceres é uma situação subumana. Esses mesmos dados oficiais afirmam que cada alimentação de um detento custa em torno de R$ 5,00. Como pode um prato de comida azeda, como foi visto na Polinter e em Bangu 6, custar R$ 5,00? Segundo denúncias dos próprios detentos, este dinheiro está em contas bancárias de diretores e políticos.
Tudo isto com expressa participação dos Governos Estadual e Federal que além de participar destes "esquemas", que são verdadeiras minas de dinheiro, têm participado paulatinamente do processo de fascistização em todos os níveis da vida carcerária brasileira. São medidas provisórias reeditadas da época do Governo Militar: o isolamento de detentos por até um ano, trinta dias sem direito a qualquer comunicação com o mundo externo, construções de presídios que mais parecem campos de concentração. Tudo com o objetivo de esconder e reprimir com o máximo de truculência o levantamento das massas. Enquanto isso segue toda a campanha de demagogia promovida em torno da pomposamente chamada "Campanha contra a violência e o Crime Organizado".
Uma pergunta feita por um preso, já no meu último dia no cárcere, responde a muita coisa: "Quem será o verdadeiro criminoso, eu que roubei e matei ou o Estado brasileiro que mata e rouba diariamente milhões de pessoas?"
Tortura, corrupção, assassinato, prisões arbitrarias. Nada disto pode deter o ímpeto revolucionário das massas. E o que todo o aparato repressivo tentou fazer trancando-nos em suas masmorras voltou-se contra nossos algozes, pois na prisão estávamos com a parcela mais oprimida das massas e ali nos organizamos e principalmente lutamos, tendo a certeza não apenas de nossa libertação, mas da vitória de todo o povo, o Comunismo!!
Esta certeza ficou mais forte no dia da manifestação organizada por nossos companheiros do lado de fora do presídio. Na ocasião os presos de minha cela cantaram junto comigo "Bandeira Rubra", música revolucionária italiana, cujo refrão diz: "Bandeira rubra deve triunfar, e viva o Comunismo para nos libertar." A expressão de desespero ficou estampada no rosto dos policiais e de toda a diretoria do presídio.
Depois disto me obrigaram a trocar de cela, o que gerou uma grande comoção em muitos, levando alguns de meus companheiros e a mim mesmo às lágrimas. Mas, na nova cela podia ver, no rosto de meus novos companheiros, a avidez por conhecer a historia do povo, o que não foi possível, pois em menos de 3 horas eu seria libertado.